Vasto

I

dedilho
com a língua
as cordas
do seu tesão
: pulsa
acelerado
o coração

do
tambor ritual.

II

nosso olho de ver

o sol

agora
existe.

III

outra eternidade
floresce
no irremediável

espaço

que resta entre
um segundo

e o mesmo.

IV

criadores
criaturas

a caverna acolhe
o dragão inventa

a caverna.

V

mas
impregnadas
no visgo
do sempre

estalagtites
estalagmites
tocam-se
a tempo.

Messe

( a partir de um poema da Loba )

então
venha eva
nua
sedenta
e
pecadora

vamos
transpirar
sua
crença

: colher
o Fruto
é o mesmo
que

semeá-lo.

OU NENHUMA DISTÂNCIA

uma Loba
uma lua cheia
e...
um poema
sempre

: a menor
distância entre
dois
pontos

no Mistério.

de tempos e nós

( a partir de um poema da Loba )

nossa solidão
eternizada

:o sentimento
humano
é apenas
vasto

vastíssimo...

como
o primeiro
gesto
que envenenou
a maçã.

a partir de um poema da Loba

quero ser somente
movimento
- de asas -
decolando pra onde
não tenho
que ir

que pousar
acrescenta a paisagem
outro tanto
de peso
nas âncoras.

a partir de um poema da Loba

estranha sede
que também
é fome
e labirinto

escondido
- ou não -
sob a toalha
(desde sempre
sem saidas)

como escapar
ileso
do mistério?
(de que tudo é
feito)

: se
nossas pernas
nossos pés

são da mesa
e das cadeiras

A capa


Tela de D´Noronha , Ars Longa Escritório de Arte

Selvagem

vasto o silêncio
é só
um poema

: indomável
descansa de poetas

e de palavras.

Poeta

só quem
entra
no poema

entra
e sai
no espelho

: sabe
que poema

não
tem saída.

Rasante V

O tempo leva eu
vôo
chover um dia

também
sou
poeira de estrelas

do mar.

Aceno

sem nome
tudo
que não existe
exibe
um brilho
desnecessário.

Exercício

corro
sempre
mais
rápido

que eu
e os
medos
todos

não
podem
me
alcançar.

Fruto

Nos galhos secos
da árvore morta
floresceu um ninho

Em troca de canto
alguma esperança
madura o passarinho.

Sagrado

De tanto amanhecer e anoitecer
jogou no oceano a única montanha e
(jamais saberemos se não foi o contrário:
o oceano sobre a montanha)

Depois (ainda antes de ser possível
observá-lo através da espessa cortina
que não havia) súbito anoiteceu
ou amanheceu pela última vez.

Basta

meia
volta
em torno
de nada

tropeço
em
algo

derrubo
tudo.

Grafitti

rabisco
espelhos
a costa larga do tempo
minha própria pele
telas de computadores
o papel

e outros muros
intransponíveis.

Vôo

Soltar
o verbo
a palavra
queda
abismo
abaixo.

Condição

cresço cacto
na aridez
da eternidade

os espinhos
virados todos
para dentro.

Devaneio

Um mesmo risco emaranhou-se infinito
desenha a paisagem até depois do depois
onde o olho não alcança mais
apesar do esforço e das muletas.

O instante estacionado à beira do mistério
a viagem agora é em circulos
o caminho deslizando no abstrato
dentro e feito de outros caminhos.

Ritual

(a partir de um poema da Loba)

Olhares ávidos
onde deságuam oceanos
de luz
: unhas afiadas

arranhando (uni)versos

nas paredes
vivas do Temp(L)o.

sobre nada

breve
é o
silêncio

entre
um
poema

e outro

silêncio.

Poética

Tem que ser
de improviso
sem nenhuma
razão
de existir

Pedra lascada
do instante
inútil absurdo
abstrato

Se mastigo
demais
o poema acaba
engolido.

Espelho

em silêncio
me procuro
em teu
silêncio.

Momento

Meus olhos
abertos

e tantas paisagens

que ainda
não sei

se quero inventar.

Instantâneo

O trânsito caótico
não flui. - Crianças
esmolam no farol

Um pombo decola
ou pousa e some
diluído no concreto

Enquanto impune
a sombra do edifício
engole a minha.

explicando

sou tímido
isso prende minha
lingua

na
eternidade

de um poema que
acabei
de rasgar.

da Vida

(a partir de um poema da Loba)

eu sei a altura
do céu
Ela as entranhas
da terra

de
cirandacirandinha
só vamos
brincar
um instante

: eu tenho asas
: Ela raízes.

Improviso

(a partir de um poema da Loba)

Então
depois de tudo
de nada ou
quase
o futuro já gasto
perde a importância
precipita-se
vazio
sem escalas
no abismo
que une o passado
ao presente
e ali fica
acolhido
entre
dois infinitos.

Caminhando

O dia caindo na noite
a noite caindo em outro dia
caindo no tempo...

E o que mais apavora
é o barulho dos passos caindo
no silêncio da estrada.

Visita

Bicho noturno
o texto
chega de mansinho
de madrugada

e me tira do sono
depois da cama

tenta me convencer
que merece
duas palavras.

Apontamento

(a partir de um poema da Loba)

e o sol e a lua
eram seus
olhos aflitos fixos
no objeto
da insana procura

(noite e dia
tateava a eternidade)

num tempo
em que do outro lado
do espelho
ainda não existia
o lado de cá.

Contemplativo

Maduro o fruto cheira
alto e longe
feito grito no vento

Uma cortina de folhas
mostra esconde
sua forma sua cor

E a gente nem desconfia
até o imperceptível
é sugestão de sabor.

Simples

Sou estas palavras
onde me encaixo
com tudo
que tenho

Com estas palavras
organizo hortas
e chuvas
de granizo.

Incursão

Todo dia à noite vem mostrar
a verdade por trás do azul
a cor do céu
sai dos cantos escuros
do quarto e debaixo da cama
onde o corpo aquece o cobertor
e o universo
expandindo em nossa viagem
dentro do inevitável.

Retratação

Coisa de quem sabe
o lado de dentro
da dor

dez
doze palavras
estávamos ali prontos
e completos: o poema
e eu

prestes a destruí-lo com
explicações
desnecessárias.

Loba

brilha nos
olhos
Sol nosso
de cada dia
o significado
da palavra
:Luz
seu nome
aceso
no teto
do poema.

Efeito

há Musa
porisso
tudo está
como se fosse
amanhecer

é quando
inadiável
abre-se
o terceiro olho
do poeta

: o poema.